Testemunhos para a Igreja, 9

Capítulo 23

Proclamação da verdade onde existe antagonismo racial

Estou muito preocupada com a obra entre as pessoas negras. O evangelho precisa ser pregado a essas pessoas, que em geral vivem em situação de desvantagem. Entretanto, devemos revelar grande precaução nos esforços para erguer essas pessoas. Entre os brancos, em muitos lugares, existe forte preconceito contra os negros. Deveríamos ignorar tal preconceito, porém, isso não é possível. Se agíssemos como se esse antagonismo não existisse, seríamos incapazes de apresentar a luz aos brancos. Temos de enfrentar a situação tal qual ela se apresenta, lidando com ela sábia e inteligentemente.

Durante muitos anos, tenho carregado um pesado fardo em favor dos negros. Dói-me o coração quando percebo os sentimentos contrários a esse povo crescerem mais e mais, e também à medida que vejo muitos adventistas do sétimo dia aparentemente incapazes de compreender a necessidade de um eficaz e imediato trabalho. Os anos estão passando para a eternidade, e ao que parece, bem pouco está sendo feito para ajudar aqueles que até há pouco tempo constituíam uma classe de escravos.

Uma das dificuldades enfrentadas pela obra é que muitos brancos, que vivem onde os negros são numerosos, não estão dispostos a empreender esforços especiais para ver aqueles se erguerem. Quando vêem escolas estabelecidas para os negros, quando percebem que eles estão sendo preparados para adquirir o próprio sustento e a se empenharem nos negócios, a proverem para si lares confortáveis em vez de prosseguirem vivendo em favelas, os brancos vêem a possibilidade de serem desfeitos os seus planos egoístas -- que não mais serão capazes de contratar negros por qualquer ninharia; assim a sua inimizade é despertada. Pensam que estão sendo injuriados e prejudicados. Alguns agem como se a escravidão jamais houvesse sido abolida. Esse espírito torna-se mais e mais forte, à medida que o Espírito de Deus é retirado da Terra; em muitos lugares é agora impossível realizar em favor das pessoas negras a obra que há alguns anos poderia ter sido empreendida.

Muito mais poderia ter sido realizado pelo povo da América do Norte se esforços adequados em favor dos escravos libertos houvessem sido postos em prática pelo governo e pelas igrejas cristãs, logo após a emancipação. O dinheiro deveria ter sido utilizado livremente em favor do cuidado e educação dos mesmos, num momento em que mui grande era a sua necessidade. Mas o governo, após pequeno esforço, deixou os negros a se debaterem, sem auxílio, em suas tremendas dificuldades. Algumas das fortes igrejas cristãs iniciaram um bom trabalho, porém infelizmente fracassaram, não alcançando senão comparativamente poucos. A Igreja Adventista do Sétimo Dia também falhou na porção que lhe cabia. Alguns esforços perseverantes têm sido postos em prática por indivíduos e sociedades a fim de erguer o povo negro, e essa tem sido uma obra nobre. Quão poucos, porém, têm tomado parte em tal obra, a qual deveria haver contado com a simpatia e ajuda de todos!

Esforços nobres foram empreendidos por alguns adventistas do sétimo dia, naquilo que precisa ser realizado em favor das pessoas negras. Houvessem aqueles engajados nessa obra recebido a cooperação de todos os seus irmãos atuantes no ministério, os resultados teriam sido muito diferentes daquilo que hoje se observa. Contudo, a grande maioria de nossos ministros não cooperou, como deveria ter feito, com aqueles poucos que se debatiam no empreendimento de uma obra mui necessária, num campo tão difícil.

À medida que o tempo avança e a oposição se fortalece, as circunstâncias nos instruem a usar da discrição como a melhor alternativa. Se movimentos equivocados ocorreram na obra em favor do povo negro, não foi por falta de advertências. Da Austrália, através das águas do Pacífico, palavras de precaução foram enviadas no sentido de que tudo precisaria ser feito de modo gradual, que os obreiros não deveriam fazer declarações políticas, e que a mistura de brancos e negros em igualdade social não deveria ser encorajada.

Numa reunião de concílio realizada em 1895, em Armadale, subúrbio de Melbourne, Victoria, falei sobre esse assunto, em resposta às indagações de meus irmãos, e insisti na necessidade de precaução. Mencionei que tempos perigosos se aproximavam, e que sentimentos que naquele momento podiam ser expressos, no tocante à obra a ser realizada entre os pessoas negras, no futuro não mais poderiam ser pronunciados sem pôr em risco a própria vida. Afirmei claramente que a obra em favor dos negros teria que seguir linhas de ação diferentes daquelas seguidas em algumas regiões do país em anos anteriores.

Que seja dito o mínimo possível sobre a barreira racial, e que os negros trabalhem principalmente em favor dos de sua própria etnia.

Quanto a brancos e negros adorarem no mesmo edifício, isso não pode ser seguido como um costume geral proveitoso para ambos os grupos -- principalmente no Sul. A melhor coisa a ser feita é prover aos negros que aceitam a verdade os seus próprios locais de culto, nos quais possam eles conduzir seus cultos. Isso é particularmente necessário no Sul, a fim de que o trabalho em favor dos brancos possa ser levado avante sem graves obstáculos.

Providencie-se para os crentes negros templos limpos e de bom gosto. Mostre-se a eles que isso é feito não para excluí-los da adoração junto com os brancos porque eles são negros, mas para promover o progresso da verdade. Compreendam eles que semelhante arranjo deve ser seguido até que o Senhor nos mostre um melhor caminho.

Os membros negros de capacidade e experiência devem ser estimulados a dirigir os cultos em favor de seu povo; e suas vozes devem ser ouvidas nas assembléias representativas.

Entre os crentes negros existem muitos capazes de trabalhar para beneficiar seu próprio povo -- obreiros aos quais o Senhor concedeu luz e conhecimento, possuidores de capacidade nada desprezível. Eles devem atuar com perseverante e do modo mais eficaz possível. Devem utilizar nossa literatura e realizar reuniões em tendas e salões. Por vezes (onde for permitido), ministros brancos podem ajudá-los. Especiais esforços devem ser empreendidos para aumentar o contingente de obreiros negros. Homens negros devem ser cabalmente educados e preparados para dar instruções bíblicas e efetuar reuniões campais entre seu povo. Há muitos dotados de capacidade, os quais devem ser preparados para essa obra.

Devemos nutrir profundo interesse pelo estabelecimento de escolas para as pessoas negras. Não podemos desconsiderar a importância de posicionar a verdade presente diante de professores e estudantes nos grandes colégios para negros, os quais têm sido estabelecidos pelos homens do mundo.

Escolas e instituições de saúde devem ser edificadas para os negros, nos quais os jovens sejam ensinados e preparados para o serviço, e isso pelos melhores professores que se consiga empregar.

Os ministros negros devem empreender todo esforço possível para ajudar os de seu povo a compreenderem a verdade para o tempo presente. À medida que o tempo avança, e aumentam os preconceitos raciais, em muitos lugares tornar-se-á quase impossível obreiros brancos trabalharem em favor dos negros. É possível que brancos que não têm simpatia por nossa obra se unam com negros para combater esse plano, alegando que nosso ensino é uma tentativa para dissolver igrejas e causar perturbações no tocante à questão do sábado. Pastores brancos e pastores negros farão falsas declarações, despertando na mente das pessoas tal sentimento de antagonismo que elas ficarão dispostas a destruir e matar.

Os poderes do inferno estão trabalhando com toda a sua perspicácia para impedir a proclamação da última mensagem de misericórdia entre as pessoas negras. Satanás está se empenhando para tornar sumamente difícil que ministros e professores evangélicos passem por alto o preconceito existente entre brancos e negros.

Sigamos o caminho da sabedoria. Não façamos coisa alguma que, desnecessariamente, suscite oposição -- coisa alguma que impeça a proclamação da mensagem do evangelho. Onde seja requerido pelo costume, ou onde maior eficiência possa ser obtida, reúnam-se os crentes brancos e negros em locais de adoração separados. Cultivemos a mansidão de Cristo. Era Ele a Majestade do Céu, o Filho Unigênito de Deus. Ainda assim, "Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna". João 3:16.

Se, para salvar o mundo que perecia, Deus condescendeu em entregar Seu Filho à morte atroz e ignominiosa, não deveriam os missionários do Senhor estar dispostos a empreender todo esforço possível a fim de ajudar os que se encontram nas profundezas do pecado, deixando que a luz incida sobre os que estão em escuridão e assim vejam o que é a verdade? Cristo revestiu Sua divindade da humanidade para que pudesse alcançar e reerguer os caídos seres humanos. Não devem os Seus seguidores, por amor a Ele, estar dispostos a submeter-se a muitas coisas injustas e difíceis de suportar, de modo a ajudar exatamente os que estão em necessidade? Seja a obra realizada de tal forma que não desperte preconceitos, os quais poderiam fechar portas agora abertas para a penetração da verdade.

Os homens de talento entre os negros, devem ser cooperadores de Deus em favor dos de seu próprio povo. Assim terão por vezes a oportunidade de apresentar seu testemunho nas reuniões em tendas e em grandes assembléias, alcançando dessa forma muitas, muitas pessoas. Tais oportunidades surgirão à medida que o campo sulino for trabalhado, apresentando-se o alto clamor. Quando for derramado o Espírito Santo, haverá um triunfo da humanidade sobre o preconceito em buscar a salvação de todos os seres humanos. Deus dominará as mentes. Os corações humanos amarão como Cristo amou. E a barreira da cor será considerada por muitos de maneira bem diferente daquela em que é considerada agora. Amar como Cristo ama eleva a mente a uma atmosfera pura, celestial e altruísta.

Quem se acha intimamente ligado a Cristo é elevado acima do preconceito de cor ou casta. Sua fé apodera-se das realidades eternas. O divino Autor da verdade deve ser enaltecido. Nosso coração deve encher-se da fé que atua por amor e purifica o coração. A obra do bom samaritano é o exemplo que devemos seguir.

Não devemos agitar a questão da linha de atuação em favor dos negros, pois isso faria aumentar o preconceito e levaria a uma crise. A luz da mensagem do terceiro anjo deve ser levada aos que necessitam de luz. Devemos agir de modo calmo, quieto e fiel, confiando em nosso Irmão mais velho. Não devemos agitar-nos em definir com exatidão o que vai ocorrer no futuro, no tocante à relação que deve ser mantida entre brancos e negros. A verdade para o tempo presente deve ser proclamada diante de milhares nos estados sulinos. O caminho deve ser limpo, tanto quanto possível, de todo fator obstrutivo. Seja a mensagem do evangelho apresentada ao povo. Que os brancos e os negros atuem em ramos distintos e separados, deixando ao Senhor o encargo do restante. A verdade precisa ser posta diante de homens e mulheres brancos nos estados do sul. Assim será realizada uma obra em favor de suas famílias, a qual resultará na salvação de muitas pessoas.

"Com toda sabedoria e prudência"

Enquanto os homens estão tentando definir o que é segregação racial, o tempo avança e as pessoas descem ao sepulcro sem haver recebido a advertência, perdidas. Que tal situação não mais perdure. Que os homens e mulheres se ponham a trabalhar enquanto o Espírito de Deus lhes impressionar a mente. Necessitamos dos talentos dos crentes negros em todos os aspectos, na realização desse trabalho. Que os obreiros negros atuem em favor de seu próprio povo, apoiados pelos obreiros brancos, sempre que houver oportunidade. Muitas vezes, necessitarão de conselho e orientação. Tenham os negros seus próprios locais de culto, assim como também os brancos. Que cada grupo seja zeloso na realização de genuína obra missionária por seu próprio povo, e em favor do povo negro sempre que tal seja possível.

Quando a verdade houver sido apresentada num lugar, e quando muitas pessoas brancas a escutarem e a aceitarem, por vezes surgirão oportunidades para que se empreendam esforços, de modo tranqüilo e não obstrutivo, no sentido de que obreiros brancos atuem em favor de pessoas negras. Tais oportunidades não devem ser passadas por alto.

Entretanto, não devemos despertar desnecessariamente o preconceito, o qual fecharia o caminho para a proclamação da mensagem do terceiro anjo às pessoas brancas. Elas necessitam da mensagem; um tempo de prova se acha diante de nós, tal como jamais houve desde que existe nação.

Grande cuidado precisa ser exercitado, para que nada se diga ou faça a fim de inflamar os sentimentos dos negros contra os brancos. Não agravemos, de modo algum, as dificuldades já existentes. Mesmo que os obreiros atuem sabiamente, e sem agitar a questão, enfrentarão oposição. Abramos o caminho para a vinda do Rei. Que Deus tenha a oportunidade de atuar. Mantenham-se os homens afastados de Seu caminho. Ele planejará e atuará de modo muito mais sábio do que poderiam fazê-lo as pessoas. Lembremo-nos de que nosso primeiro grande dever é pregar a Palavra de Deus, apresentando as advertências da Bíblia.

O Senhor convida a todos para assumirem o trabalho com humildade. Nem todos os ministros acham-se santificados pela verdade. O Senhor convoca a todos para que deixem de lado suas controvérsias. Que os homens se precavenham de fazer qualquer coisa que elimine nossa última oportunidade de penetrar em campos difíceis, onde dominam o preconceito e o antagonismo.

Como meio de vencer o preconceito e obter acesso à consciência, deve-se realizar a obra médico-missionária não em um ou dois lugares apenas, mas em muitas partes onde a verdade ainda não foi proclamada. Devemos trabalhar como evangelistas médico-missionários, curar as pessoas enfermas pelo pecado dando-lhes a mensagem de salvação. Essa obra quebrará os preconceitos como nada o faria.

O Sábado

A questão do sábado é uma das que demandam grande cuidado e sabedoria em sua apresentação. Muito da graça e poder de Deus serão necessários para derrubar o ídolo erigido sob a forma de um falso sábado. Ergam o estandarte, ergam-no, mais e mais alto. Apresentem ao povo o vigésimo capítulo de Êxodo, no qual a lei de Deus se encontra registrada. Os primeiros quatro dentre os dez mandamentos apresentam o dever para com nosso Criador. Aquele que é falso para com Deus, não será jamais genuíno para com o seu próximo. O que amar supremamente a Deus, amará seu próximo como a si mesmo. O orgulho só conduz para a vaidade, levando o ser humano a fazer um deus de si mesmo. O evangelho de Cristo santifica o coração, expelindo dali o egoísmo.

"Lembra-te do dia do sábado, para o santificar." Êxodo 20:8. O sábado foi instituído no Éden, depois de haver Deus criado o mundo. "Assim, os céus, e a Terra, e todo o seu exército foram acabados. E, havendo Deus acabado no dia sétimo a Sua obra, que tinha feito, descansou no sétimo dia de toda a Sua obra, que tinha feito. E abençoou Deus o dia sétimo e o santificou; porque nele descansou de toda a Sua obra, que Deus criara e fizera." Gênesis 2:1-3.

"Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: Tu, pois, fala aos filhos de Israel, dizendo: Certamente guardareis Meus sábados, porquanto isso é um sinal entre Mim e vós nas vossas gerações; para que saibais que Eu sou o Senhor, que vos santifica. Portanto, guardareis o sábado, porque santo é para vós; aquele que o profanar certamente morrerá; porque qualquer que nele fizer alguma obra, aquela alma será extirpada do meio do seu povo. Seis dias se fará obra, porém o sétimo dia é o sábado do descanso, santo ao Senhor; qualquer que no dia do sábado fizer obra, certamente morrerá. Guardarão, pois, o sábado os filhos de Israel, celebrando o sábado nas suas gerações por concerto perpétuo." Êxodo 31:12-16.

19 de Outubro de 1908